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quinta-feira, 18 de março de 2010

Raça Humana não tem cor

Este meu artigo é dedicado a um saudoso povo de raça negra, de Angola, com quem vivi e compartilhei muitos dos seus segredos e das suas coisas nas selvas e savanas.
Sentava-me dentro das suas casas, comia o "funge" (alimento muito gostoso feito de farinha de milho e/ou de mandioca), à mão molhando-o no delicioso conduto feito de rama de bata-doce ou da mandioca (kisaca ou calulu) com óleo de palma e, algumas vezes, misturado carne de gazela, javali ou peixe, todos eles secos ao sol.

Nesse mundo não havia fantasias, nem stress, nem iguísmo, nem ódio, nem ganância e nem se falava ou penssava na cólera ou palodismo (malária) que hoje fáz temer tanta gente.

Era o mundo perfeito... "o mundo real" com a sua própria cultura, que o mundo não tem ou não deveria ter o direito de a querer substituir.

Em Angola não conheci o chamado racismo. Nas escolas, hospitais, bares, empresas laborais, não havia discriminação. Os que frequentavam as escolas era brancos, negros, mulatos, mestiços e todos vestiam o mesmo uniforme. Na educação escolar, ou no socorro, na medicina, tanto poderia ser branco, mulato ou negro. Nas empresas havia muitos encarregados ou chéfes que eram negros. E nos bares, nas farras e nas praias conviviam todos com grande cumplicidade e sem preconceitos. Inclusive, existia já muitos casamentos entre as duas cores. Nos quartos e enfermarias dos hospitais estavam os doentes de ambas as cores deitados lado a lado. E quem visitava os seus familiares ou amigos, nos hospitais, não tinha de pagar nada para poder entrar, o que, segundo me contaram, aqui na metrópole, como lhe chamavamos, pagavam.

Não posso também deixar de mencionar que devo a vida a um negro que não conheci mas tenho pena de não o ter conhecido. Certo dia, quando eu tinha 18 anos, inesperadamente senti os meus pulmões a encharcarem-se de um liquido. Eu, já com falta de ar e a sofocar, tossi e à medida que tossia saía, constantemente, sangue em grande quantidade, até que desmaiei e fui transportado para o hospital da cidade próxima (Gabela) que distava cinquenta quilometros do local onde vivia.

Por coincidência ou ironia do destino, quando dei entrada no hospital, o médico que fazia ali trabalho era o mesmo da tropa. Como naquele tempo não havia sangue empacotado para transfusão, o médico tratou logo de ligar para o quartel e ver se havia algum militar com o sague compatível com o meu. Por acaso, e talvez por força da natureza, nesse dia tinha ficado de castigo no quartel um militar de raça negra. Esse militar tinha o mesmo tipo de sangue que eu. Nesse dia tiraram-lhe duas seringas de sangue e 2 vezes por semana lá voltava a oferecer-me a vida. Assim fui salvo. Depois de todo este sofrimento e ao cabo de algum tempo, acabei po melhorar, saír do hospital e voltar para junto do meu clã.

Retomei a minha vida no Kimbo (aldeia), com os meus amigos de raça negra, brincava, crescia e aprendia todos os segredos da selva, savana e a falar a sua lingua (Kimbundo). Era também com eles que ouvíamos as estações rádio que transmitiam muita música de cantores Angolanos e Cabo-Verdianos.

Muita gente dizia, e o Jonas Savimbi també disse nos seus comíssios que: "quem beber água do Bengo (rio angolano), não vai coseguir esquecer e vai sempre sentir saudades de Angola". Mas eu não fiquei apenas apegado a Angola somente pela água do Bengo, tambem foi pelo sangue que me fez retornar à vida.

De adolescente passei a homem, sempre deficiente motor, por isso era levado por eles, os meus amigos, pela selva e savana junto ao rio Nhia. Havia, em abundancia, frutos, legumes e carne. A carne, tanto poderia ser a que criavam como a que caçavam. Sentia-me um homem feliz, como todos os outros éramos livres... éramos a savana e a selva, e, a savana e a selva não tinham sentido sem nós. Cresci, e hoje distante ainda me sinto branco por fora mas negro por dentro.

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