Catumbira era alcunha do “capataz”! Magro, alto. Os negros referiam-se a ele com esse nome vendo nele um homem que quando chispava braveza era uma saraivada de impropérios e chuva de espuma enraivada. Gostava muito de “Candingolo” e “Murufo”.
No dizer dele, aquela terra tinha peçonha, feitiço de preto “Quimbanda” mandrião!
O descontentamento, logo no inicio, mas logo comecei a gostar daquela gente cheios de “Cazumbi”.
A frouxidão dos negros dava-me amiúde fernicoques de autoridade e barafustava carinho esbracejando a todo o momento.
Cheguei àquela roça grande no ano de 1962; Naquela roça grande da Quitona-Congulo de Mário Cunha nos Morros do Amboim - Gabela conjuguei o verbo amar, pois era tanta beleza que não vi outra igual.
Grande arvores de grande porte seculares, sombreavam o café “Robusta”. No floreamento, os cafeeiros se vestiam de branco. E o seu perfume!... hai-ué!… Enfeitiçava a minha alma e me fazia sentir… que somos propriedade de África.
No despertino viscoso, e húmido lusco-fusco viam-se vultos fora das “libatas” com tocos de pau mole esfregavam enérgicamente dentes brancos sobressaídos dum negrume geral; higiénicamente cuspiam golfadas prás “bissapas”; surgiam em seguida com xícaras fumegantes de aromático café. “Matabichavam”!
A casa grande onde fui morar dispunha-se a um só piso; na frontaria uma comprida e ampla varanda abria-se assim a norte; dali sentado no cadeirão, de Aduelas de pipo, podia-se admirar a azáfama do vai vem do gentio “Umbundo”.
Era só abrir o sol, a neblina (cacimbo) descolava das frondosas árvores.
Daquela varanda podia ver homens de peito nu, rolando para cá e para lá os grãos ainda verdes; revirando-os constantemente!
Roça rodeada de verde era preta de labuta, o mulherio descalço passava gritando entre elas e as crianças que giravam ao seu redor; algumas de pequenas, iam escachadas nas costas, seguras por garridos panos, nas cabeças, grandes cestos de “mateba” cheios de bagas vermelhas e verdes que despejavam nos espaços ainda vazios do terreiro.
No ar a azáfama emanava “catinga” (Cheiro característico do Negro transpirado)!
Entre os contratados Catumbira era o mais rezingão; vindo do planalto central à força dos “cipaios” e a mando do administrador Santos Correia, revelava-se um revolucionário militante; Catumbira tinha algum receio da sua braveza mas nunca houve motivos de facto, só o mantinha debaixo de olho.
Ainda hoje sou envolvido por aquelas montanhas, do vale que se abre em forma de leque e, lá longe o horizonte que confunde mar com céu e, o apito de comboio nas terras de Benguela Velha (Porto Amboim) e Sumbe.
O ano de 1962 está agora demasiado longínquo, mas só no espaço temporal; as imagens das roças, amizade Angolana, o velho “Land Rover” que nos levou às nuvens de penhascos verdejantes além do rio N´hiwa, onde meu pai mais tarde construiu uma Roça, junto da Libata “Cananguena”, fazendo fronteira, por este rio, com a CAOP (Companhia Algodoeira Ocidental Portuguêsa), ouvia-se lá fora, o cantar das “Anduas, Filicios, Quipoarengos, Pombos verdes etc. etc.”, chamando-me à realidade. Sentia-me lá, tomando daquele café cheiroso, voando entre colunas, casario e pingos de chuva gostosa.
Com as mãos no computador, percorro o olhar pelos quadros que mostram alguma história na labuta do café desde a plantação, recolha, secagem, descasque e ensacagem. Imagino, que o dono daquelas memórias poderia ter algum aparentado com o tal capataz, que tanta vez me levou, ás cavalitas, a ver a roça Quitona.
Continuei, conservo esta lembrança, e esta mística. O cheiro, mistura de café da Gabela com São Tomé, registou com agrado o aroma na minha memória. Vozeirei alegrias passadas que agora me alimentam. È de todo o modo uma Boa Lembrança.
Dei volta à roda do meu imaginário, embrulhei a vontade de voltar aquele sítio, aonde ainda deve perdurar aquele cheiro.
Vacabulário: Capataz = Chéfe de um grupo que tem por missão dirigilos. Candingolo = Aguardente feita de cana doce. Murufo = Bebida saborosa extraída da palmeira e que afermentada se tornava alcolica. Quimbanda = Especie de bruxo que faz bruxaria. Cazumbi = Bruxedo. Matabichavam = Comer o pequeno almoço (Mata-bicho=Pequeno Almoço) Robusta = Qualidade de um tipo de café. Libatas = Aldeias construídas de paus, rama da palmeira ou erva (capim) e terra amassada. Bissapas = Folhas de arvores. Umbundo = Dialéto linguístico da região do Bailundo. Mateba = Tipo de palha selvagem. Catinga = Cheiro produzido pela transpiração da pessoa. Cipaios = Um género de agentes de segurança (negros) que serviam para o comandar outros. Anduas, Filicios, Quipoarengos, Pombos verdes = Nomes de raças de passarada.