Era assim... em frente de uma casa de branco! Diferentes em cor, mas todos iguais. Naquele lugar paradisíaco, na fazenda de café de Mário Cunha, nos morros do Amboim, fronteira com a CADA e perto das Salinas, estava no jardim de Edan. Nas redondezas, os fazendeiros transportavam o café, e outros produtos, em camionetas, pois nesse tempo já haviam algumas mas a gasolina, como por exemplo: a Ford, Dodge, Chevrolé, Gmc etc. Esses carros eram muito lentos e consumiam muito combustível, mas nessa altura era um luxo.
Nessa época a agricultura que se fazia em outras fazendas era a chamada "agricultura pobre", as sementeiras que se fazia era milho, batata, feijão, arroz, ela mais longe, para os lados de Dala Cachibo, algodão e sisal. O arroz ainda era o produto que mais compensava cultivar porque era o mais rentável, todas as sementeiras eram feitas manualmente, portanto a base principal das receitas era sem dúvida a moagem e produção de café. Na fazenda havia muitos trabalhadores negros, que nessa época trabalhavam de sol a sol nos diversos trabalhos da lavoura, mas muito ou pouco, todos recebiam o seu salário ao fim do mês em dinheiro ou em mercadorias, porque isso eu sei que era assim. Mas esse método “de sol a sol” é bom lembrar não era exclusivo só em Angola, o preto não era explorado pelo branco só pelo facto de ser preto... pois nessa época em Portugal como os idosos testemunham! Passava-se o mesmo, (falo apenas e exclusivamente da zona onde vivo actualmente), também se trabalhava para os mais abastados ou seja para os ricos... também de sol a sol, e alguns com a agravante de nem salário ter! Apenas e simplesmente por uma malga de caldo, e ainda por vezes era preciso pedir aos senhores do dinheiro por favor para lhes dar trabalho: assim como também havia muitos filhos de pais incógnitos porque os “senhores” abusavam das raparigas e depois não queriam dar a cara, sei que é verdade porque é contado pelos idosos desse tempo, ainda há alguns vivos que contam essas histórias, que também passaram por isso. Portanto, tanto lá, como cá, a exploração era quase idêntica, lá era o “preto” o explorado, mas em Portugal era o “branco”, mas é claro que a muitos só interessa falar dos colonos. Tudo isso apenas se deve ao regime de ditadura que se atravessou nessa altura que era precisamente o mesmo, aqui em Portugal eram os ricos os protegidos e faziam tudo o que queriam, e em Angola eram os brancos da Altura não nego. O meu Pai trabalhava na fazenda como encarregado, só 8 anos depois fez a sua própria fazenda com uma loja comercial onde se vendia de tudo que era consumido na região. O negócio, nessa época, em virtude de não haver dinheiro “vivo”, era todo feito à base de trocas: por exemplo… os nativos traziam para negociar, milho, feijão, amendoins, mandioca, e até galinhas, cabritos, ovos, etc. E então trocavam os seus produtos por tecidos que nós lá chamávamos "tangas", ou por produtos para alimentação, como o peixe seco, óleo de palma, sal, vinho, ou ainda por roupas para homem, "quimonos" para mulher, e muitas quinquilharias que havia à venda. Dinheiro em nota ou moeda havia muito pouco e não circulava, era escasso. A loja além do negócio servia também para abastecer o pessoal trabalhador da fazenda, portanto conforme as necessidades de cada um, iam levando as mercadorias a crédito, que depois lhes eram descontadas no fim do mês no ordenado.
Como havia muita falta de dinheiro, (era no tempo que em Portugal era uma sardinha para três) e porque o negócio era quase todo feito a base de trocas, então durante alguns anos era assim… se por acaso não houvesse dinheiro ou mercadorias pretendidas pelo trabalhador, o saldo credor que alguém tivesse, era-lhes passado um “vale”, que era um bilhete onde estava o dito saldo credor assinado pelo patrão: mas só tinha validade na sua própria loja. Chamava-se então a esse “vale”... “Mucanda”. Esse sistema também era para os não trabalhadores e mesmo até para alguns brancos como prova de dívida. Este é mais um das minhas recordações do que vivi na minha infância, adolescência e já homem. Era um sistema que estava implantado em tudo o sítio que se considerava “Portugal”.